Divagação: Comida honesta
Hoje não me apetece falar de receitas. Apetece-me falar de outra coisa. Apetece-me falar de comida honesta e sobre aquilo que sinto que faz falta na restauração. Na restauração e não só, claro. Falta-nos a todos nós, consumidores. Isto vem na sequência de algumas conversas que temos lá por casa, com amigos e família, com malta que gosta de comer e cozinhar. Vem na sequência de alguns documentários e séries sobre a origem da nossa comida, como o Cooked e o Chef’s Table, e também de posts que tenho lido ultimamente, como estes dois bons artigos: um do Público sobre o início da revolução no pão e o artigo dos Gourmets Amadores sobre a série Cooked. Felizmente, parece-me, que cada vez mais há gente a remar no sentido contrário. Mas vamos por partes: que raio é que este gajo quer dizer com comida honesta? Vamos lá então.
Comida honesta, o que é?
Não sei se é um termo usado ou não por aí, mas é um termo que a mim me faz sentido. “Comida Honesta”. É algo que para mim, implica comida fresca, da época, o menos processada possível. Atenção, não quero aqui parecer hipócrita. Usamos, sim, coisas processadas por vezes. Gostava de usar menos e ter essa consciência todos os dias, mas nem sempre é fácil. Mas isto também não quer dizer que não devemos tentar. Honesto é o que o mercado tem para nos oferecer todos os dias, a carne de animais que foram bem tratados e tiveram a melhor vida possível, os ovos de galinhas que não estão enclausuradas em jaulas, legumes que não estão carregados de químicos, e por aí fora. Acho que já perceberam a ideia.
Dar dois passos atrás para dar um à frente.
Muitas destas coisas significam voltar atrás, no que nos diz respeito em termos de tradições e costumes, e isso é bom. Ir contra esta forma de justificar tudo com o progresso e a evolução da espécie humana. Cabe-nos a nós defender isso nas nossas casas e fazer o melhor que podemos. Perguntar no talho de onde vem a carne, como foi criada, de onde vêm os ovos, ter atenção a essas coisas todas. Como diziam no artigo do Público, se um pão leva mais do que 4 ingredientes, é possível que não seja boa ideia comprar. Vamos desafiar-nos a fazer as coisas de raiz, a ser criativos com os ingredientes frescos. A nossa alimentação será melhor e a nossa saúde vai atrás.
Mas falaste em restauração também.
Pois falei. Desculpem lá andar para trás e para a frente de uma forma que possa parecer pouco estruturada. Escrevo como penso e este é um tema recorrente para mim, e não vos querendo maçar com um artigo de 3000 palavras tento condensar da melhor forma. Haveremos, talvez, de voltar a este tema no futuro. Sinto falta de restaurantes assim, que pensem assim e ajam assim.
Na minha vida profissional é normal ter que almoçar fora e nem sempre trago a bela da marmita. Vejo-me, por isso, obrigado a recorrer à restauração. Mas é fácil fartar-me. Gosto de restaurantes com comida tradicional, comida de panela. Destes restaurantes gosto dos que têm pratos do dia, pois assumo que esses pratos são os do dia, porque alguém foi ao mercado e era aquilo que estava fresco, era de época, e por isso a um preço competitivo. Mas não. Quando vais a um restaurante em que os pratos do dia são os mesmos para cada dia da semana, algo não está bem.
Qual o drama dos pratos do dia?
Então mas todas as quintas feiras há bom borrego para fazer um ensopado? E todas as terças há boas favas? Passa a existir uma responsabilidade de servir borrego todas as quintas, independentemente da sua qualidade. Mesmo que as pessoas do restaurante passem pelo mercado e vejam um bom pargo (não interessa, qualquer coisa) porque têm que levar borrego, seja que altura do ano. Atenção, nada contra um prato de especialidade, mas se pensarmos bem, se é especialidade é porque o fazemos bem, mas conseguimos bom borrego o ano todo para o fazer? Se calhar estou completamente errado. Afinal não tenho nenhuma experiência em restauração.
E que farias tu?
Às vezes dizem-me “Devias abrir um restaurante.”, ao que eu respondo que as pessoas são malucas. Para isso é preciso saber muito mais do que eu, mais experiência (e dinheiro, claro). Mas quem sabe um dia. E se tivesse, o que faria? Primeiro teria algo pequeno. Algo sustentável e que pudesse estar sempre cheio. Um sítio versátil, com petiscos ao longo do dia, e com uma carta que podia mudar todos os dias. Terias sempre uma sopa ou duas que mudava com os legumes que viessem do mercado nesse dia. Os pratos do dia iam reflectir SEMPRE o que fosse de época e que tivesse qualidade e frescura. Depois, para complementar a carta, alguns grelhados na hora, sempre de qualidade. Como é que se garantia essa qualidade? Não ter uma carta com 20 opções. Mais vale ter já não ter uma das opções, do que andar a arrastar comida de uns dias para os outros para ter sempre todas. Ah, e não esquecer a carta de vinhos! Poucas opções, mas todas boas, com forte foco na região onde estamos. Agora é continuar a aprender e um dia pode ser que aconteça.
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